O dízimo pagão


A vida constantemente nos confronta com uma balança de valores. Dia desses enfrentei um dilema em relação ao pagamento dos 10% de taxa de serviços para o garçom. A questão toda foi a qualidade do atendimento – já que tal cobrança se tornou normal. Atrasos demasiados na entrega das bebidas e dificuldade de acesso ao possível destinatário da gratificação foi o que motivou a desmotivação para a efetivação deste dízimo pagão.

O detalhe é que o garçom, quando aparecia, era todo simpatia. Demonstrando preocupação e presteza. Isto gerava uma espécie de amortecedor de impaciência, plantando uma semente de esperança de que as coisas seriam mais céleres. Ao final, tudo desandava novamente, restando apenas o radical protesto em forma do pedido da conta. É ai que vem o melhor...

Decorrido aproximadamente 30 minutos do pedido para o relatório das despesas de bebida e tira-gosto, chega a simpatia fácil, de atendimento difícil, com a sua lista do possível em virtude dos atrasos. Tudo com o seu devido valor, incluindo o couvert artístico – cobrando o preço "do jeito que a banda toca" – e ainda o acréscimo de 10% pelo “excelentíssimo” atendimento.

Certo. Você deve estar se perguntando o que acionou a balança de valores dos que carregam a consciência. É simples: era notório que o estabelecimento tinha muitas mesas para poucas gravatas borboletas, e isso explicava a falta de velocidade do serviço. A grande questão é que o garçom, neste caso, não tem culpa pelo mal atendimento e nem o cliente a obrigação de gratificar o que não foi gratificante. E ai, o que fazer?

Não pagar a taxa de serviço era uma maneira de protestar, mas afetava diretamente o bolso de quem se faz mil para ganhar 10%. Ou seja, o dilema só atesta o velho ditado de que “o pau só quebra nas costas do mais fraco”. E o mais fraco, neste caso, tem dois titulares possíveis, o cliente e o garçom; do lado mais forte, o proprietário que carrega os outros 90% enquanto observa a intriga da legitima defesa para receber dignidade.

Levantei e paguei a conta, sem os 10%. Fiz certo? Talvez. Indenizei a paciência, embora devendo danos morais a consciência. É a vida...





União: política ou conjugal


Política envolve paixão e, assim sendo, foge bastante do campo da necessária racionalidade. A regra é essa, no entanto, existem as uniões/casamentos arranjados, em que a noiva ou o partido se veem forçados a formalizar um compromisso por circunstâncias alheias as suas vontades ou sentimentos.

Na Paraíba, temos vivenciado bastante esse tipo de tratamento, principalmente no que se refere as coligações político-partidárias. Várias siglas, como a menina que sofre imposição dos pais, tem partido para apoiar o grupo “A” ou “B” por determinação do que se acorda nas cúpulas partidárias. 

Como na vida de um casal, esse tipo de realidade também gera reflexos nas forçadas alianças feitas de última hora, mas recheadas e motivadas por interesses antigos – cultivando a semelhança política/relação conjugal, já que muitas vezes essas parcerias são sacramentadas a preço de ouro. 

Tal como no casamento arranjado, a aliança imposta gera um elo frágil e superficial, onde, não muito raro, se vive de aparências e com uma contagem regressiva, bastante anunciada, para o seu fim. É a receita para o fracasso, pois não empolga os nubentes. Além de facilitar e nutrir as traições.

O correto é ouvir o que clama as partes; se buscam o mesmo projeto, e, assim sendo, trabalhar nas diferenças motivado pelas semelhanças. O sucesso de uma aliança, política ou conjugal, depende muito da afinidade de pensamentos. Forçar o inconciliável é perder tempo, seja de vida ou de TV...

Eternidade














O eterno vive no sonho
De quem sente o infinito.
Tudo cabe em um segundo...
(Verdade; muito esquisito!)

O que o pensamento faz,
Revolto nos sentimentos,
É vida, na intensidade
De teias - que são momentos.

O bater do coração
É a luz na imensidão
De quem acha o seu caminho.

É o agora mais presente,
Registrando, eternamente, 
Um segundo de carinho.

O Maior São João do Mundo, sempre!


O Maior São João do Mundo é, sem dúvidas, o grande evento turístico da Paraíba e um dos maiores eventos populares do Brasil. Na economia local, se traduz no aquecimento do mercado em sua totalidade: rede hoteleira, restaurantes, comércio, etc. 

Em Campina, o orgulho de realizar tal festejo se mistura ao entusiasmo dos seus habitantes em participar do movimentado e rápido mês junino. Todavia, é preciso ampliar e fortalecer o evento, pois o seu diferencial sempre esteve no pioneirismo e na amplitude do formato. 

A festa de São João, acima de tudo por ter perfil cultural, é comum em todo o nordeste. Na Rainha da Borborema, especialmente, consolidou-se como referência para todo o país pela dimensão da festa e toda a estrutura que oferece. Tal realidade, no entanto, é a cada ano ameaçada pela proliferação de festejos com formatos semelhantes e, principalmente no nosso caso, pela falta de incentivo do Poder Público. 

Se falta ao governo estadual a liberação de recursos que financiem o evento, tem faltado a prefeitura a concepção de um projeto digno e amplo, que encare o nosso maior patrimônio turístico como realmente deve ser: expressão cultural, principal reforço para o comércio local e oportunidade de lazer para os que dela tem o direito de participar. 

É louvável a iniciativa da PMCG em investir numa melhor estruturação do Parque do Povo, casa maior da nossa festa. As críticas aos investimentos podem e devem ser ouvidas, mas jamais devem ignorar o que foi realizado. Mas, será “O Maior São João do Mundo” apenas isso? 

O Trem do Forró, o Salão de Artesanato, o Sítio São João e as quadrilhas juninas também fazem parte desse grande evento, e poderiam receber melhorias e incentivos que agregassem ainda mais valor a ele. 

O distrito de Galante, em especial, deve receber mais investimentos na estruturação da praça que recepciona o Trem do Forró – o que também serviria para os habitantes do distrito como equipamento de lazer e convívio o ano inteiro. 

As quadrilhas juninas precisam contar com um incentivo contundente, inclusive da iniciativa privada, envolvendo e estimulando os nossos habitantes no fortalecimento dessa cultura, que deságua no evento de junho. Neste caso, a mídia local também deveria ser chamada para dar a sua contribuição. 

O comércio deve ser “atiçado”, por meio de um programa de governo municipal, em parceira com o estadual, para apostar na ornamentação e reforçar o espírito junino da cidade: as melhores e mais criativas ornamentações receberiam isenções nos impostos municipais e estaduais, por exemplo. 

O leque de sugestões é amplo, e o debate deve ser posto, pois é obrigação nossa cuidar desse patrimônio; sugerindo, analisando e cobrando projetos e ideias; sempre buscando aprimorar o evento e ampliar a sua força. É o preço para se manter grande e se projetar maior – eterna matéria-prima do Maior São João do Mundo. Todos ganharemos com isso... 



A voz da prática

A arte da política é atraente, mas, ainda mais que isso, revela o perfil da democracia que temos e aponta a que queremos. O mais interessante, é que o resultado de nossas escolhas não são refletidos apenas na apuração das urnas, mas durante todo o processo que antecede a ela. 

O excesso de artimanhas, joguetes e fisiologismos partidários, exaustivamente explorados nos meios de comunicação, são os principais combustíveis para “incinerar” as novas e as renovadas apostas de mudança em nossa cultura política. 

Já reparou que a descrença estimula a manutenção do sistema falido que subsiste hoje? A desigualdade social, a insegurança, a baixa qualidade da nossa educação, etc; são reflexos diretos, mais do que dos votos, dos costumes e hábitos arraigados em nossa sociedade – tudo devidamente nutrido pela covarde acomodação que é imobilizada pela descrença. Somos, constantemente, treinados para achar tudo isso comum. 

Preste atenção em quem procura o seu voto. O discurso probo se coaduna com as práticas? Até que ponto a credibilidade de suas palavras merecem valor? Isso pode indicar, de maneira eficiente, o que está por trás da máscara produzida pelos publicitários. 

Aposto na prática, ecoada nos discursos, como antídoto para que possamos abranger novos e melhores horizontes. O tempo atestará se o caminho certo é esse escolhido. No entanto, os pequenos sinais, emitidos em todos os lugares, já reforçam que a direção é acertada. 

Acredito fielmente que podemos e vamos construir uma sociedade mais justa e igualitária, e, por isso mesmo, vislumbro na coerência, entre o discurso e a atitude, a oportunidade mais eficiente para que esse sonho, transbordante de esperanças, vire realidade.

A essência


Os movimentos comunitários representam a essência da boa democracia. Nele os anseios da população encontram representação mais direta e legítima; e a lógica que o define é simples - é a proximidade que torna o meio mais sincero, tal como o fogo passa mais calor ao objeto mais próximo.

De todo modo, me refiro ao movimento real, erigido verdadeiramente pela comunidade – sem manipulação de terceiros ou interesses escusos. São nessas agremiações que aposto para a consolidação de um novo momento político, onde se apontam as prioridades coletivas, para a melhora da realidade dos que precisam, de fato, da atenção privilegiada do poder público.

As prefeituras e as câmaras de vereadores deveriam ter mecanismos mais eficientes de canalizar e sintetizar essas vozes, que gritam abraçadas, em nome de um amanhã melhor. As redes sociais podem e devem ajudar, mas é preciso organizar mais essa interlocução, tornando-a mais transparente - além de ouvir a voz, é indispensável mostrar quem a emite.

Interessante observar que estes movimentos existem em bom número, mas poucos têm espaço nos noticiários, talvez porque a pauta que a maioria destes abrange sejam mais voltadas para projetos meramente políticos, em detrimento do que, essencialmente, representa e clama a sociedade.

É preciso ouvir e praticar o que os movimentos sociais de base esboçam, alçando-lhes a condição que merecem: verdadeiros detentores do poder, que emitem a direção do que deve ser priorizado. Sem falácia, sem superficialidade; na real; pela realidade.

Acredito que assim construiremos dias melhores. Vamos ampliar os debates, saindo dos muros das concepções pontuais e enxergando como um todo aquilo que deve ser para todos.



Há um pomar escondido no coração da semente



"Existe busca e assédio no beija-flor voador,
quando procura na flor essência para seu tédio
Mas como existe remédio no veneno da serpente
na virgem flor inocente há um desejo contido
E há um pomar escondido no coração da semente."

Raymundo Asfora

A verdadeira força da família

A família tem uma importância incrível na vida de todos nós. Ela é sinônimo de força, direcionamento, ponderação e paz. No entanto, quando não se dá o devido valor a mesma, o ser humano caminha sem chão, e com base apenas no que quer “pôr as mãos”, esquece que a queda é inevitável. O individualismo é nocivo a esta instituição formatada pelo Criador. A família precisa se enxergar como um todo. 

Indispensável notar que o que forma uma família é bem mais abrangente que o laço sanguíneo. Família é mais sentimento que matéria; é mais cumplicidade e confiança do que genética. Por isso, a própria Bíblia afirma que há amigos mais chegados do que irmãos. 

A liberdade e a unidade são matérias-prima para todas essas vertentes, uma não existe sem a outra. A primeira garante uma visão mais plural e completa. A segunda deve ser o resultado do respeito à primeira, temperado com a inteligência coletiva que norteará o corpo como um todo. Isso vale para os mais variados temas. 

A união promove a força, não só pela quantidade, mas pela qualidade do que veio antes. Nisso consiste o espírito da verdadeira família. O respeito, a democracia e a transparência devem preponderar; pois o que é bom para todos, também o é para cada um. A família é um dom de Deus. 

JULGAMENTO (Raymundo Asfora)


Crônica escrita por
 Raymundo Asfora.
Diário da Borborema

Está aberta a sessão. 

A voz do juiz, grave e solene, impõe silêncio às galerias. Uma atmosfera de profunda tensão emocional pesa sobre o ambiente. 

Entre dois guardas, no banco dos réus, um homem espera julgamento. É acusado da autoria de um crime de homicídio. 

O quadro é de uma quase rotina nas reuniões periódicas do Júri Popular. Mas, dessa vez, há um detalhe que torna a cena um pouco diferente. 

Você, leitor, está no plenário, porém não como um simples expectador. Nesse instante, uma toga envolve o seu ombro. Você é um dos membros do Conselho de Sentença. 

E vai julgar o réu – autor de um crime de morte que voltou a confessar, no interrogatório perante o júri. 

O fato abalou a cidade; a população aguarda, ansiosamente o veredito. 

A vítima - esposa e mãe – foi assassinada pelo próprio marido. 

O casal vivia em uma casinha, em um bairro da cidade, e era um modelo de paz. O esposo, homem de sessenta anos, estava aposentado do serviço público. A mulher, um pouco mais velha, tinha um câncer, e fazia um ano que suportava os mais atrozes sofrimentos. O marido tratava-a carinhosamente. De noite, descansava em uma cadeira ao pé do seu leito, para vigiá-la e socorrê-la, quando acometida de espasmos mais agudos. Ela, por diversas vezes, havia tentado o suicídio. Primeiro com um revolver que o esposo arrebatou-lhe das mãos; depois querendo envenenar-se ingerindo um porção de gás. Na noite dos fatos, as torturas físicas foram maiores que as de costume. O marido assistiu, durante várias horas, o doloroso espetáculo. 

Não resistindo mais – não suportando mais assistir à tragédia – pegou o revolver e disparou três tiros na cabeça da mulher. A morte foi instantânea. 

Permaneceu, longamente, ao lado do cadáver e, ao amanhecer, foi entregar-se na Delegacia de Polícia. 

A versão da ocorrência não foi contestada por ninguém. Acusação e defesa aceitaram-na, como expressão da verdade. O Promotor, todavia, pede a condenação do réu. Sustenta que o Direito tutela a vida e a ninguém é lícito destruí-la, mesmo movido por um sentimento de piedade. 

Leitor – chegou a sua vez de votar. Em nome da lei e fiel aos ditames da Justiça. Chegou a vez de você proferir o seu julgamento. 

Culpado ou inocente?

Raymundo Asfora

Crônica publicada no Diário da Borborema.


O GESTO (Raymundo Asfora)


Foi um gesto do passado
De claro sabor escuro,
Tão grave, tão demorado,
Que me habitou no futuro.

Um gesto que, bem pensado,
Nele ainda me procuro.
Tão de repente! E esperado.
Tão sem alma! Mas tão puro.

Um gesto de quem se fende
Ao meio e assim, face a face,
Uma a outra não compreende.

Gesto de efêmero eterno.
De uma noite que hasteasse
Sombras no fogo do inferno.


Raymundo Asfora


NOTA DO BLOG

Dando sequência a publicação de sonetos do meu avô, Raymundo Asfora, brindo aos leitores com este belíssimo "gesto".