Borborema, tropeiros e burramas

Esta é uma terra de tropeiros, burramas e bem-te-vis. Tem açudes, muitas ladeiras, universidades, ciência, cultura e arte (em baixa). Tem saberes, mas é ruim de memória.

Uma cena marcante aconteceria em plena Rua 07 de Setembro, em Campina Grande, no dia 08 de dezembro de 1975. Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, no palco, em alto e bom som pedia desculpas publicamente a Raymundo Asfora por “não ter gravado a letra completa” da canção Tropeiros da Borborema, tal como ele a havia concebido e dado a Rosil Cavalcanti para musicar.

Ao mesmo tempo, o Rei se comprometia a, “futuramente, numa próxima gravação, resolver o problema”. Qual o problema, então, que motivaria o Rei do Baião a se retratar publicamente em Campina Grande? Respondo: ele havia modificado a letra original de “Tropeiros” por achar que a tornaria mais compreensível para a população.

“Estala, relho malvado / Recordar hoje é meu tema (meu lema) / Quero é rever os antigos / Tropeiros da Borborema…” com estes versos Luiz Gonzaga abria aquela que viria a se tornar o segundo hino de Campina Grande. Na verdade, originalmente, Asfora escreveu: “Estala, relho malvado / embora a burrama gema […]” e mais adiante “[…] em busca da terra [‘beleza da terra’, na versão gonzagueana] que tanto se expande / e se hoje se chama de Campina Grande / foi grande por eles que foram os primeiros / oh, tropas de burros / oh, velhos tropeiros”.

Em dezembro de 1988, em sua última Missa do Vaqueiro, em Serrita-Exu (PE), em participação especial com o Quinteto Violado, Luiz Gonzaga pede um mi menor ao seu sanfoneiro auxiliar e diz: “Eu vou cantar agora a música mais bonita que já cantei em toda minha vida […]” e inicia, com a voz já cansada, os versos memoráveis, desta vez, conforme o poema original de Raymundo Asfora. É a única gravação do Rei do Baião cantando “Tropeiros” com a letra original.

Em tempos de homenagens a Campina Grande, Lei Municipal confirmando a música como uma espécie de segundo hino, votação popular escolhendo a canção como aquela que melhor representa a cidade, nada melhor, segundo meu juízo, que fazer jus à obra original de um dos mais nobres defensores desta terra, o poeta Raymundo Yasbek Asfora. Seria uma forma de mostrar respeito pela memória daqueles que declararam, poeticamente, seu amor por Campina e fizeram da sua vida um ato de amor de fato. Ao mesmo tempo, seria uma declaração de compromisso com a verdade histórica.

É bom lembrar que a música foi registrada apenas em nome de Rosil Cavalcanti [editada pela BMG], quando todos sabem e até propagam que a mesma é resultado de parceria com Raymundo Asfora. Isso também está registrado na mesma gravação de Luiz Gonzaga, em praça pública, na comemoração de um dos aniversários da Rádio Borborema.

Em boa hora as rádios e TVs, poderiam tomar uma atitude crítica e utilizar a versão correta da música, uma vez que ela existe e é conhecida. Por outro lado, o poder público campinense [por intermédio de sua Procuradoria Geral ou outro mecanismo] deveria providenciar documentação e efetivar o registro junto à editora, para que a história não seja traiçoeira e negue ao poeta Raymundo Asfora o direito moral, de ter o seu nome oficialmente reconhecido e registrado como um dos autores de uma das mais belas canções de toda história da humanidade.

Nem Asfora nem seus herdeiros ganhariam nada, materialmente, com tal procedimento. Os herdeiros não querem auferir lucros com a canção. Mas, sem dúvidas, seria um grande feito em reconhecimento a um dos mais destacados brasileiros que lutaram por esta terra de tropeiros e burramas (que ainda teimam em circular em meio aos carrões importados). Seria também um grande ato em respeito à sua memória e em respeito à inteligência dos milhares de mortais, modernos tropeiros, que teimam em fazer de Campina Grande seu lugar de pouso, descanso e mesmo a “sua” terra. Viva a cultura respeitada!

CHE

Há personagens com uma tal estatura histórica que, independente dos adjetivos e de todos os advérbios, ainda assim não conseguimos retratá-los em nada que possamos dizer ou escrever. O que falar de Marx, que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel?

Hegel dizia que existem personagens cuja biografia não ultrapassa o plano da vida privada, enquanto outros são os personagens cósmicos, estes cujas biografias coincidem com o olho do furacão da história.

O Che é um destes personagens cósmicos. Basta dizer que, independente de qualquer campanha publicitária, sua imagem transformou-se na mais vista do século XX e assim continua neste novo século. Nenhum esportista, artista ou músico, mesmo com bilionárias promoções pelo mundo globalizado afora, se mantém num lugar parecido. O Che veio para ficar.

Novas gerações, nascidas depois da morte do Che, continuam identificando-se com sua imagem, com seu sentimento de rebeldia, com sua coragem, com sua luta implacável contra toda injustiça.

Não vou gastar palavras inúteis para falar do Che. Basta reproduzir algumas das suas frases, que selecionei para o livro “Sem perder a ternura”.

“A única coisa em que acredito é que precisamos ter capacidade de destruir as opiniões contrárias, baseados em argumentos ou, senão, deixar que as opiniões se expressem. Opinião que precisamos destruir na porrada é opinião que leva vantagem sobre nós. Não é possível destruir as opiniões na porrada e é isso precisamente que mata todo o desenvolvimento da inteligência...”

“Nós, que, pelo império das circunstâncias, dirigimos a revolução, não somos donos da verdade, menos ainda de toda a sapiência do mundo. Temos que aprender todos os dias. O dia que deixarmos de aprender, que acreditarmos saber tudo, ou que tivermos perdido nossa capacidade de contato ou de intercâmbio com o povo e com a juventude, será o dia em que teremos deixado de ser revolucionários e, então, o melhor que vocês poderiam fazer seria jogar-nos fora...”

“Deixa-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor.”“Nosso sacrifício é consciente. É a cota que temos de pagar pela liberdade que construímos.”

“Muitos dirão que sou aventureiro, e sou mesmo, só que de um tipo diferente, destes que entregam a própria pele para demonstrar suas verdades.”

“Sobretudo, sejam capazes de sentir, no mais profundo de vocês, qualquer injustiça contra qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo.” (Carta de despedida aos filhos)“É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais.”

“Que importam os perigos ou os sacrifícios de um homem ou de um povo, quando está em jogo o destino da humanidade.”

“É um dos momentos em que é preciso tomar grandes decisões: este tipo de luta nos dá a oportunidade de nos convertermos em revolucionários, o escalão mais alto da espécie humana, mas também nos permite graduar como homens.”

“Nós, socialistas, somos mais livres porque somos mais completos; somos mais completos porque somos mais livres.”

Emir Sader

"Férias"

Não sei como explicar de modo satisfatório, mas o fato é que esse tempo em que passei sem escrever serviu como umas férias para mim... ou para os leitores!?! Vocês decidem!

De qualquer forma, dentro de uma semana voltarei a postar normalmente.